terça-feira, 3 de abril de 2012

mãe... e se?

“(...)
Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."
Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim
E deixo-te as rosas...”

Eugénio de Andrade

 Não me lembro de muitas coisas más, lembro-me de coisas menos fáceis, lembro-me de coisas mais duras, lembro-me de coisas diferentes , lembro-me muito bem de ti e vou lembrar-me sempre .
Quando quase não nasci estiveste mesmo disposta a dar a tua vida pela minha ( e se eu não tivesse nascido ?), depois cuidaste sempre bem de mim, mas um dia o Mundo virou-se contra ti, o Mundo vira-se sempre contra alguém mas tu não conseguiste aguenta-lo ( e se tivesses aguentado ? ), depois eu pequenina fiz-me enorme num piscar de olhos e ergui-me com uma força extraordinária, vezes e vezes sem conta ( e se não tivesse erguido ? ) e fiz-me mulher pelas duas e pelo enorme amor que existia entre nós .
Não sabias fazer tranças ( e se soubesses ? ), nem sabias muito bem pregar um botão, não tinhas jeito para contar histórias, nem gostavas muito de fazer trabalhos manuais, quase nunca me recebias com um abraço ( e se recebesses ? ), eu sei que nos teus dias bons me amavas mais do que é possível amar e que te orgulhavas de cada passo meu, de cada gesto mas nem todos os teus dias eram bons ( e se fossem ? ) .
Eras linda, a mulher mais bonita que eu conhecia, tão bonita como as actrizes de cinema, mesmo quando estavas despenteada e de pijama, e eu adorava dormir encaixada a ti e ouvir o teu coração bater, onde passavas deixavas o rasto do teu perfume e tinhas  sempre um sorriso bonito para toda a gente, mesmo que por dentro estivesses um bocadinho mais cinzenta (e se não tivesses ? ) .
Eras minha, toda a gente achava curioso por nos ver juntas e achar que éramos tão parecidas e tão diferentes ( e se não fossemos ? ), adoravas dizer “ ela tem os meus olhos “  ( e se nunca o tivesses dito ? ) , admiravas a minha força e coragem e a minha maneira de escrever, foi sempre assim que eu te prendia a mim, eu adorava ler-te tudo o que escrevia e  ficavas  lá só a ouvir-me ( e se nunca tivesse ouvido ? ) … até que um dia a tua coragem se perdeu e a força ficou assustada e esconderam-se de ti, e tu desistis-te de procura-las ( e se não tivesses desistido ? ) e desistis-te da vida difícil que tinhas que enfrentar em todos os teus dias maus .
A minha mãe morreu ( e se não tivesse morrido ? ) e eu luto todos os dias para me manter viva, para manter vivo todos os que ela mantinha, para amar aqueles que ela amava, para cuidar de todos os jardins que ela deixou murchar . Agora ela ficou invisível aos olhos, mas o meu coração vê a minha mamã todos os dias, e eu ainda sinto o perfume dela por onde quer que passe e lembro-me da voz dela ( e se eu me esquecer ? ) … eu sei que nunca me vou esquecer, e sei que se quiser podemos sobreviver a tudo, se sentirmos que merecemos devemos lutar até ao fim, se formos fortes devemos dar força aos outros, se formos simples somos felizes com as coisas mais pequenas, se soubermos amar somos mais felizes, se nos culparmos nunca conseguimos seguir em frente, se não deixarmos a armadura pendurada uma vez ou outra não conseguimos guardar tudo e se tivermos amigos vencemos .
Se soubesses o quanto eu te amo …

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